Você se importa em apresentar sua identidade ao comprar bebidas?

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Algumas pessoas estranharam um novo hábito que vem sendo adotado em alguns supermercados de nossa cidade: ao comprar qualquer tipo de bebida alcoólica, o cliente é solicitado a mostrar seu documento de identidade. Não importa se a pessoa aparenta ter mais (ou bem mais) de 18 anos; todos são inquiridos da mesma forma, às vezes por constrangidos funcionários dos caixas dos supermercados. Se depender do Ministério Público (MP), a medida deve se tornar cada vez mais comum devido a uma série de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) propostos pelo órgão junto aos supermercados de Passo Fundo. A intenção, de acordo com a promotora Clarissa Simões Machado, é dificultar a compra e ingestão de bebidas alcoólicas por parte de adolescentes. A grande pergunta é se a iniciativa vai alcançar o fim proposto – e não somente criar mais um procedimento que não resolva o grave problema do consumo em excesso de bebidas pelos menores.

Essa nova realidade vem mexendo com as opiniões de consumidores e comerciantes: parte dos primeiros alega que os cabelos grisalhos lhes credenciam a comprar o que quiserem; os segundos receiam implantar a nova rotina devido ao temor de que estabelecimentos concorrentes não a apliquem (atraindo assim maior público), ou ainda com a preocupação de que algum cliente desavisado não tenha consigo sua identidade e deixe de comprar a mercadoria. A divergência, no entanto, extrapola as questões comerciais e toca em um ponto crucial na existência de nossa sociedade: por que a orientação das famílias está falhando a tal ponto de entidades de fora precisarem intervir?

 

A justificativa do MP

A promotora relata que o MP já celebrou uma série de TACs com as boates de Passo Fundo, a fim de que elas tenham algumas normas de funcionamento que resguardem o adolescente que frequente o estabelecimento. “Os empresários se comprometeram em preencher um cadastro contendo o nome do adolescente e o contato com pais ou responsáveis, para que se forem flagrados bebendo, os pais e o Conselho Tutelar possam ser acionados”, disse. Recentemente iniciaram as ações voltadas aos supermercados, pois a promotoria percebeu que estava sendo fácil para o adolescente adquirir a bebida nos mercados. “Já tive audiência com duas redes e a ideia inicial era que se exigisse de todo e qualquer consumidor a apresentação da carteira de identidade com foto para evitar a margem de erro que muitas vezes ocorre pelo operador do caixa. E especialmente para criar essa cultura na comunidade de que adquirir bebida alcoólica é um ato que exige responsabilidade, mesmo para o adulto”, assegura.

Clarissa explica que o TAC é um acordo que o MP faz com os investigados, mas com consenso, ou seja, sem a imposição.  Entretanto, a promotora não descarta que no futuro a iniciativa possa ser levada à Câmara de Vereadores para ser transformada em lei. “O TAC somente se concretiza quando a vontade do investigado coincide com a do MP. Se fosse uma lei municipal seria diferente. Se fosse lei que obrigasse a todos os segmentos do ramo a fazer isso, ela seria de observância obrigatória para todos. O que o MP faz é abrir um expediente para cada rede e vamos chamando eles aos poucos para tentarmos entrar num acordo que eles não são obrigados a aceitar. Os que não aceitarem serão alvo de uma fiscalização mais acirrada e se constatarmos que a venda continua acontecendo, aí talvez tenhamos que chamar o Legislativo para debater a necessidade da criação de uma lei”, afirma.

Questionada sobre a fiscalização nas ruas da cidade, que geralmente são palco de badernas e bebedeiras, a promotora explica que é muito difícil executar o trabalho em todas as áreas. “A minha promotoria está encarregada da proteção da criança e do adolescente em todos os municípios da Comarca. Eu procurei estabelecer algumas metas e ir aos poucos alcançando-as, por absoluta falta de tempo de assumir tudo junto”, revela. Segundo Clarissa, o trabalho será longo. “Ainda que se dificulte a venda de bebida na via pública e nos estabelecimentos, isso não vai fazer com que o jovem pare de beber, mas vai começar a provocar o envolvimento maior da família e da comunidade em trabalhar essa situação. É um processo muito longo de criar uma cultura que mostre aos jovens que há outros meios de se divertir sem bebida alcoólica”, conta.

 

E a família?

Sem dúvida, a iniciativa é louvável do ponto de vista de tentar impedir que crianças e adolescentes consumam bebidas alcoólicas. Entretanto, faz-se necessário ressaltar que essa é uma batalha dificílima que poderia – e deveria – ter uma grande aliada dentro de casa: a família. Se os pais não impuserem limites a seus filhos, criando neles a consciência de que o exagero faz mal, sempre será encontrado um meio para conseguir o acesso a bebidas ou a outros produtos. Abundam notícias de jovens que saem para baladas e perdem o rumo de tanto beber. O panorama não é tão diferente nas ruas do centro de Passo Fundo e isso é verificável ao se caminhar pela rua General Netto em uma segunda-feira pela manhã, quando garrafas, copos e sacos plásticos que sobraram da noite ficam espalhados pela via e pelas calçadas. E esse problema não tem classe social.

Percebe-se que a intenção sobrepõe-se à lei: se nas boates os jovens não podem comprar bebidas, eles chegam à balada já bêbados; se nas ruas não podem comprar suas cervejas e vodcas, eles contam com o auxílio de companheiros maiores de idade. Podemos colocar na rua todo o efetivo militar da cidade, com leis e TACs debaixo do braço, e o problema continuará a existir. Essa situação é fruto direto da desgraça moral por que passa nossa Nação, onde a família vem perdendo sua autonomia. Pais e mães não orientam seus filhos, justamente esperando que o Estado tome as providências. Quando orientam, muitas vezes não são ouvidos, visto que as crianças e adolescentes estão embebidos em uma cultura de “revolução permanente”, que dá a falsa sensação de independência.

Educar um filho não é tarefa fácil e, infelizmente, a ideia que se destaca na atualidade é de que a vida humana deve ser recheada de conforto, prazer e facilidades. Dizer “não” a um filho requer, muitas vezes, enfrentar um protesto; entretanto, essa experiência de ver “negado” o acesso a uma vontade é importante para a criança saber que nem tudo na vida é possível. Uma das ideias em voga hoje é a de que não se pode dizer “não” para as crianças; com isso, perde-se o referencial de limites – primeiro, dentro de casa e depois perante a sociedade. Não é à toa que vemos, como na foto que ilustra essa matéria, a irresponsabilidade de deixar na rua o lixo para os outros recolherem. Assim também ocorre em relação à bebida: muitos jovens desconhecem a hora de parar, exatamente porque não tiveram o limite imposto quando pequenos.

Antes de criar novas diretrizes e leis, que ampliam o poder do Estado, mas geralmente são dribladas de forma fácil, será preciso voltar a por em prática algumas doutrinas. Uma delas é a que preserva, protege e promove a celula mater da sociedade.

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