Dublagem: por quê, Brasil?

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Foi no ano de 1927 que o cinema voltou a revolucionar – após a sua criação – trazendo som à tela como o filme O Cantor de Jazz. Podemos listar várias evoluções ao longo da história, como a introdução de cores ou o mais recente cinema 3D, mas inserir som ao que estava sendo visto foi fundamental para a sétima arte se tornar o que é hoje. No inglês The Jazz Singer foi o primeiro filme a introduzir personagens com falas e também músicas cantadas com um sistema inovador para a época chamado “vitaphone”.

É claro que não foi de cara que toda a narrativa dependeria disso, mas mais de 80 anos depois perdemos a conta de quantos filmes se fizeram quase que inteiramente de bons diálogos e vozes marcantes dos atores. Estes também passaram por mudanças drásticas ao longo dos anos. No inicio o papel do ator era quase que totalmente dependente da expressão corporal e facial do mesmo. Nos anos 1950 a elegância dos atores e muito da mitologia que a própria Hollywood criava em seu entorno era o que fazia de um ator uma grande estrela. Mas com o passar do tempo isso deixou de ser suficiente.

Quando penso em entonação de voz lembro daquela cena da comédia de televisão Eu, a patroa e as crianças onde o personagem central imita a clássica cena de Marlon Brando em O Poderoso Chefão dizendo a fatídica frase “I’m gonna make you an offer you can’t refuse…”. Podemos não entender inglês, mas sabemos que o recado dado é perigoso.

A pouco menos de um mês fui com a minha família ao cinema assistir o tão aguardado – pelo menos por mim – Esquadrão Suicida. Esperei ansiosamente pela sessão das 21h para ver o filme LEGENDADO, com a sonoplastia e atuações originais – porque sim, a entonação da voz dos atores, sua respiração e seu timbre fazem parte do que chamamos de atuação. Para a minha desagradável surpresa, ao iniciar o filme o Pistoleiro, personagem de Will Smith, falou em português. Olhei para trás pelo menos cinco vezes e notei que quase ninguém levantou ou gritou ou esperneou como eu. Me contorci na cadeira e, juro por todos os 007 do cinema, que tentei assistir mais um pouco. Quando Margot Robbie abriu a boca na pele de Arlequina, levantamos e saimos.

A minha surpresa em perceber que as pessoas não se importam com a dublagem foi tamanha. Mas procurando entender um pouco melhor, fui buscar de onde surgiu o cinema dublado e o porquê de as pessoas não se importarem com isso. Para a minha surpresa, mais uma vez, o primeiro filme dublado foi justamente The Jazz Singer. A dublagem neste caso e nos anos que viriam a seguir, acontecia pelo fato de os equipamentos de filmagem possuírem barulhos altíssimos, o que não permitia a captação correta da voz dos atores. Além disso os estúdios chegaram a cogitar gravar o filme em diversas línguas, para o público que não falava inglês, porém obviamente esta não era uma opção muito viável.

No caso da dublagem para outro idioma, iniciou no Brasil com os desenhos animados por volta de 1938 com os filmes da Disney, para que as crianças pudessem entender o que estava acontecendo na história. Absolutamente plausível. Isso ainda criou uma nova categoria de trabalho, a dos dubladores, onde muitos deles fazem um excelente trabalho e com certeza você identifica alguns deles se repetindo em vários filmes.

O que acontecia era que os equipamentos de filmagem para os filmes brasileiros eram tão precários que se fazia necessária a dublagem para melhorar a qualidade do som, o que tornou natural que os estúdios fizessem o mesmo trabalho nos filmes estrangeiros que chegavam ao País.

É bastante compreensível que isso tenha se tornado cultural. Infelizmente ainda não contamos nas escolas com classes de líguas estrangeiras de qualidade, o que torna bem difícil ver um adolescente se interessar em assistir um filme em inglês, espanhol, francês ou qualquer outra que não seja a sua língua materna. Mas proponho um exercício simples: assista a tão famosa cena que citei anteriormente com a voz rouca e inconfundível de Marlon Brando e a mesma cena dublada logo em seguida. Em filmes mais recentes, posso citar outra experiência pessoal com o filme Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. O dublador que faz o trabalho com o personagem Bane é  mesmo que faz o Megazord dos Power Rangers – série que enjoamos de assistir nos anos 1990. É de chorar.

Além dos aspectos de atuação, assistir a um filme legendado nos dá a oportunidade de compreender as nuances da língua que não dominamos. Por que o inglês britânico é tão diferente do americano? Por que o francês é tão sensual? Por que o italianos parecem estar sempre gritando? Isso também é educação e começa desde cedo. A idéia de fazer do cinema uma forma de conteúdo cultural e não só entretenimento começa por aí: apreciar a obra como ela realmente é, para depois sim construir um pensamento crítico encima disso e por fim o nosso gosto pessoal.

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