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O desprezo pela língua por aqueles que mais deveriam defende-la

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Os relatos sobre o desprezo pelo conhecimento são evidentes na atual sociedade. Os artigos que vêm sendo publicados pela Lócus apresentam dados da realidade nacional não de maneira opinativa, mas procurando compreender o que está acontecendo no ensino e na cultura como um todo.

A Língua Portuguesa acaba sendo taxada de “ultrapassada”, “elitista”, “entediante”, até mesmo por aqueles que mais deferiam defende-la, ou seja, pessoas com algum acesso aos meios culturais. Importante se faz o trecho a seguir:

 

Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir. [1]

 

A Língua Portuguesa adquiriu um sentido restrito para os tempos atuais, erroneamente. Ensinada apenas como um emaranhado de regras de sintaxe e de normas do acordo ortográfico, podem levar os estudantes a sentir verdadeiro pavor com as suas nuances. A gramática, no sentido clássico, não era um mero conjunto de regras de correção, mas de ordenação, simbolismo e estudos semânticos aprofundados, elementos capazes de não apenas interpretar textos, como também os fenômenos.

Apenas para ilustrar o caos no cenário atual, abaixo consta um texto recentemente publicado por um professor universitário nas redes sociais:

 

Na mesma postagem, foi possível contar com a opinião de uma de suas seguidoras e, talvez, leitora nem tão atenta:

 

Por mais que ele tenha tentado evitar uma saída normativa, caiu no equívoco de relativizar a aplicação dependendo do contexto. Ora, “tolerar” erros nos variados contextos não os torna “corretos por convenção”: a língua tem um modo de ser, concorde-se com isso ou não.

Tentando compreender o que se passa na cabeça da “opinadora de plantão”, para a qual “não existe erro de português”, algumas de suas postagens são apresentadas a seguir:

 

 

É aquela velha confusão mental muito comum destes tempos: um jogo de palavras está muito acima da realidade. São criados jargões e frases de efeito, de resultados devastadores sobre a cultura popular.

Na mesma postagem do professor universitário, o autor deste artigo se manifestou sobre o tema. Eis que surge outro confuso de plantão:

 

 

Só o fato de se ter colocado o termo “alta cultura” causou verdadeira repulsa no rapaz: vinculou a ideia de “alta” a “elitista, burguesa, preconceituosa”. Trata-se de uma confusão muito comum.

Por isso, o que precisa ficar claro ao leitor é que a importância de compreender a realidade e a linguagem para se proteger dentro de um contexto de cultura marginal e completamente dissociada de um modelo mais elevado de saber.

O Trivium, base do ensino medieval, nos ensina que a linguagem se desenvolve a partir da natureza do ser humano. Para Marguerite McGlinn:

Uma vez que somos racionais, pensamos; porque somos sociais, interagimos com outras pessoas; sendo corpóreos, usamos um meio físico. Inventamos símbolos para expressar a gama de experiências práticas, teóricas e poéticas que constroem a nossa existência. Palavras permitem-nos deixar um legado de nossa experiência para deleitar e educar aqueles que nos sucederem. Por usarmos a linguagem, engajamo-nos num diálogo com o passado e com o futuro.[2]

 

As palavras provocam efeitos psicológicos nas pessoas. Mencionar “chocolate” pode gerar desejo, enquanto “vinagre” a repulsa. A “infância” pode ter sido um período de muitas alegrias para uns, bem como de tristezas para outros. É possível negar que algum efeito as palavras provocam? Falar e escrever é uma forma de poder, é capacidade de influenciar e alterar estados psicológicos.

O discurso é um instrumento de prudência do qual dispõe o mensageiro, isso porque o domínio sobre a linguagem é o reconhecimento dos efeitos possíveis a partir das ideias que estão sendo impostas.

Conhecer a literatura não é uma aventura da linguagem, mas o desbravamento das possibilidades humanas, da qual é plenamente capaz de se extrair beleza até mesmo na maldade, sendo este o papel ético do escritor. Para Aristóteles,

As palavras faladas são símbolos da experiência mental e as palavras escritas são símbolos das palavras faladas. Da mesma forma como nem todos os homens escrevem da mesma maneira, nem todos os homens possuem os mesmos sons da linguagem, porém as experiências mentais, diretamente simbolizadas pelos sons, são as mesmas para todos, da mesma forma como os objetos que são as imagens das nossas experiências.[3]

 

O que se passa na cabeça como um todo? Por que há tanta confusão no vocabulário? Por que estão aceitando virar os olhos para a própria a realidade? Uma educação de qualidade se forma com a colaboração daqueles que querem ensinar com aqueles que desejam aprender. Se nem mesmo os professores estão dispostos a aprender: a confusão mental – é sabido – já causa efeitos devastadores sobre a cultura nacional. Aos alunos, então, que alternativa lhes resta?

 

Notas:

[1] Olavo de Carvalho, O Orgulho do Fracasso. In: O Globo, 27 de dezembro de 2003.

[2] McGLINN, Marguerite. Introdução à edição americana de 2002. In: JOSEPH, Irmã Miriam. O trivium: as artes liberais da lógica, gramática e retórica. Tradução e adaptação de Henrique Paul Dmyterko. São Paulo: Realizações, 2011, p. 17.

[3] ARISTÓTELES. Sobre a Interpretação. In: DILTS, Robert B. A Estratégia da Genialidade. Vol. I. São Paulo: Summus Editorial, 1998, p. 87.

 

 

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