A língua que “exclui” é a mesma que evita que seus falantes sejam imbecializados

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Quando os primeiros debates acerca do Programa Escola Sem Partido foram fomentados por todo o Brasil, um coro de verdadeiros histéricos respondeu com o “Escola Sem Mordaça”: estes acreditavam que tempos de censura num meio impregnado de marxismo cultural seria um retrocesso para suas atividades.[1] Parte dos equívocos de ambos os lados foram relatados no Boletim Semanal da Lócus, que pode ser conferido no link a seguir:

Mesmo assim, não há como negar que muitos dos temas que estão sendo ensinados em sala de aula estão cerceados de questões políticas. Nas edições anteriores, é possível verificar o que aqui está sendo dito. Não são poucos os problemas de linguagem que atuam como verdadeira venda sobre os olhos, mas uma coisa é certa: sem o domínio da linguagem, o relativismo faz-se maligno e oportuno sobre as mentes despreparadas. Quem, com o uso do bom sendo, ousaria dizer que “nós temo”, dependendo do contexto, está “correto”?

A defesa da “Escola Sem Mordaça” continua batendo na mesma tecla: a liberdade de expressão é garantia constitucional e esse negócio de “ensino politizado” é coisa da cabeça da “classe elitista e fascista”. Pois bem, outro exemplo a seguir se faz necessário observar:

Rodrigo Ratier não é um opinador qualquer: trata-se do editor da Revista Nova Escola, considerada uma das principais publicações que circulam nas escolas e nos demais ambientes acadêmicos. Tais foram as suas palavras:[2]

Mas há diferença entre norma culta e norma cultuada. A culta é a falada no dia a dia por quem cresceu falando e estudando a língua. Pessoas que completaram o ensino superior, por exemplo.

A cultuada é a de Temer. E das gramáticas tradicionais. É o tal “português correto” – que não passa de um mito, como afirma o linguísta Gabriel de Ávila Othero no recém-lançado Mitos de Linguagem.

Otero explica que a língua descrita pelas gramáticas normativas é inatingível. Diz que ela é “mais idealista que realista, mais lusitana que brasileira, mais antiga do que contemporânea e mais prestigiada do que deveria”.

Há razões para esse prestígio. “Numa época em que a discriminação de raça, cor, religião ou gênero não é publicamente aceitável, o último bastião da discriminação social velada vai continuar a ser o uso da linguagem de uma pessoa”, escreve Othero, citando a sociolinguista britânica Lesley Milroy.

A língua cultuada torna-se, então, um instrumento de poder. Ela segrega quem não domina seu código. Ridiculariza quem se desvia da norma. (sic)

Hoje, educadores como esse apontam que a língua, um dos pilares da nação brasileira, é “instrumento de poder”. Hoje, qualquer grande valor universal é taxado de retrógrado e excludente. Hoje, são esses tipos que fazem a cabeça dos professores – que depois fazem a cabeça dos alunos. Como Flavio Morgenstern apontou[3]:

preconceito lingüístico é um conceito marxista criada pelo sociólogo Nildo Viana como demonstração de outra forma de opressão e luta de classes. Seu maior defensor, calcado em escritos de Pierre Bordieu, é o professor da UnB Marcos Bagno. Seu opúsculo “Preconceito Lingüístico – O que é, como se faz” vendeu feito pão quente e colonizou mentes pós-púberes em todo o Brasil. Outro monumento à sabedoria simiesca de sua autoria é “A Norma Oculta – Língua & Poder na Sociedade Brasileira”. É um interessante exercício de antropologia escatológica descer às minudências malcheirosas destes livros. (sic)

No momento em que a língua é corrompida, brechas são abertas para que muitos equívocos passem a fazer parte da vida cotidiana, como verdadeiros atos bizarros que acabam sendo reconhecidos como normais. O linguista Evanildo Bechara, imortal da Academia Brasileira de Letras, já se manifestou sobre problemas dessa natureza ao afirmar que:

Há uma confusão entre o que se espera da pesquisa de um cientista e a tarefa de um professor. Se o professor diz que o aluno pode continuar falando “nós vai” porque isso não está errado, então esse é o pior tipo de pedagogia, a da mesmice cultural.[4]

Não são coros isolados os de vozes que clamam por uma versão simplificada do Hino Nacional Brasileiro, para que, finalmente, a população em geral possa compreender as suas nuances. A seguir, um dos modelos apresentados:

No mesmo site, cuja finalidade é o estudo da Língua Portuguesa (não é uma piada!), as justificativas para essa simplificação podem ser verificadas a seguir:

O Hino Nacional Brasileiro, símbolo de exaltação à pátria, é uma canção bastante complexa. Além de possuir palavras pouco usuais, sua letra é rica em metáforas. O texto segue o estilo parnasiano, o que justifica a presença de linguagem rebuscada e de inversões sintáticas, que dificultam a compreensão da mensagem. Assim, a priorização da beleza da forma na elaboração do hino fez com que a clareza ficasse comprometida. […] Trata-se de um texto parnasiano, que privilegia a forma mesmo com sacrifício da clareza da mensagem, gerando dificuldades de compreensão. Para isso, colaboram o preciosismo vocabular e as frequentes inversões da ordem do discurso, tão ao gosto dos acadêmicos do final do século XIX, mas distantes do universo das gerações atuais.[5]

O que vem sendo pregado em praça pública atualmente é uma verdadeira idiotização da sociedade como um todo: a  média deve ser (sempre) rebaixada para que outros possam se sentir incluídos. O conhecimento da Língua Portuguesa é o maior ato de rebeldia sobre um projeto de imbecialização da sociedade: para tal, é preciso estar sentado sobre os ombros dos gigantes, evitando a praga do relativismo sobre todos os campos do saber.

 

Notas:

[1] É preciso ficar destacar que não se reduz a “esquerda X direita”, até porque, como bem apontou Olavo de Carvalho: Nunca afirmei que o mal do Brasil fosse “a esquerda”, tomada assim genericamente, mas sim ESTA esquerda que temos nos últimos quarenta anos. Essas coisas não podem ser julgadas adequadamente sem pontos de comparação históricos. Que mal fez a esquerda à cultura brasileira entre os anos 30 e 50 do século passado? Mal nenhum. Só fez o bem. Inspirou, estimulou e promoveu os melhores talentos, produziu literatura de primeira qualidade, abriu o ambiente da capital aos escritores e artistas de todas as regiões do país. A esquerda que faz mal ao Brasil é a que surgiu desde os anos 70, tão pobre de inspiração, de talento, de cultura e de boas intenções quanto ávida de dominação hegemônica a todo preço. A esquerda do “Imbecil Coletivo” e do “Mínimo”. Uma esquerda que, esta sim, jamais deveria ter existido e que não tem direito NENHUM de existir. (Postado na sua página do Facebook em: 30 jun. 2017)

[2] RATIER, Rodrigo. Revista Nova Escola. A mesóclise de Temer é um instrumento de exclusão: Falar difícil não é falar bem. Publicado em: 20 jun. 2017. Disponível em: < https://novaescola.org.br/conteudo/5026/a-mesoclise-de-temer-e-um-instrumento-de-exclusao>. Acesso em: 27 jun. 2017.

[3] MORGENSTERN, Flavio. Preconceito linguístico e coitadismo linguístico. Disponível em: <http://www.implicante.org/artigos/preconceito-linguistico-e-coitadismo-linguistico/>. Acesso em: 27 mai. 2011.

[4] Folha Educação. Livro distribuído pelo MEC defende errar concordância. Publicado em: 14 mai. 2011. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2011/05/915795-livro-distribuido-pelo-mec-defende-errar-concordancia.shtml>. Acesso em: 27 mai. 2011. O livro que gerou essa polêmica foi defendido por muitos órgãos e instituições, para a nossa surpresa, disponível em: <http://www.bibliotecadigital.abong.org.br/bitstream/handle/11465/1631/139.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.

[5] Só Português. Você entende o Hino Nacional Brasileiro? Disponível em: <http://www.soportugues.com.br/secoes/curiosidades/hino.php>. Acesso em: 01 jul. 2017.

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