Charlie Gard e o Óleo de Lorenzo

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Quando tinha seis anos de idade, Lorenzo Odone foi diagnosticado como portador de adrenoleucodistrofia (ALD), uma disfunção genética que leva ao acúmulo de ácidos graxos nas células nervosas, ocasionando dano insanável no cérebro. O quadro se caracteriza por deterioração neurológica profunda, convulsões, perda de visão, hipertrofia hepática, dentre outras consequências. Na época, os médicos de Lorenzo prescreveram apenas dois anos de vida ao garoto.

O amor incondicional e a vontade de ver o filho vivo e com saúde levaram seus pais, Augusto e Michaela Odone, a uma verdadeira cruzada em busca da cura. Por conta própria, estudaram a doença até desenvolver um óleo que atua interrompendo a síntese dos ácidos graxos. Por meio do tratamento, cuja pesquisa foi menosprezada por muitos médicos e cientistas da época, Lorenzo acabou vivendo por mais vinte anos. Hoje, o método terapêutico desenvolvido serve para outras milhares de crianças que tem ALD. A história de Lorenzo e de seus pais foi retratada no aclamado filme “O Óleo de Lorenzo”, estrelado por Nick Nolte e Susan Sarandon, em 1992.

O que leva ao recente caso de Charlie Gard, o bebê britânico que sofria de síndrome de miopatia mitocondrial, outra doença genética incurável. Assim como os pais de Lorenzo, os pais de Charlie também lutaram pela vida de seu filho,  empenhando-se em uma batalha jurídica que envolveu até mesmo o hospital em que ele estava internado. Não tiveram sucesso, e a vida de Charlie, ainda que com a possibilidade de um tratamento experimental desenvolvido nos Estados Unidos, acabou se encerrando por meio da decisão de um tribunal.

Em sua sentença, o juiz Nicholas Francis, responsável pelo caso, afirmou que não era do interesse de Charlie que a ventilação artificial fosse mantida, sendo legal o desligamento dos aparelhos. Com isso, a morte passou a configurar um interesse, exteriorizado pelo paciente através de terceiros. 

Há uma evidente desumanização do Ocidente. No dia do falecimento de Charlie, argumentei em minha página no Facebook que ele foi vítima de um “assassinato virtuoso”, uma criação da cultura da morte que apadrinha causas como o aborto e a eutanásia. O “assassinato virtuoso” sempre vem edulcorado com propósitos nobilitantes como “preservar a dignidade” e “evitar o sofrimento”. O Hospital que abrigava Charlie e o Tribunal que julgou seu caso o sentenciaram a morte porque queriam “apenas o melhor para ele”. O juiz Nicholas Francis chegou a argumentar que tomava sua decisão “com a maior das tristezas”. O mal triunfa quando o conceito de “fazer o bem” é dissimulado em nome de uma perversão.

Não se sabe ao certo quais seriam os efeitos do tratamento experimental que Charlie receberia caso fosse transferido para os EUA. Mas o que isso importa se era a interesse manifesto dos pais submeter o filho a essa nova terapia?

A vontade dos pais de Charlie, aquela mesma que motivou os pais de Lorenzo Odone, foi cassada, tendo como fiadora a Corte Europeia de Direitos Humanos, órgão jurídico-burocrático que passou a decidir até sobre a existência dos indivíduos. Eis o arbítrio científico e técnico dos togados depondo o pátrio poder. No mundo moderno, onde a vida é relativizada, deixamos de produzir Óleo de Lorenzo e passamos prolatar sentenças de morte lubrificadas.

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