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A ELEIÇÃO DO BREXIT: o que a mídia brasileira não explicou

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Este é o primeiro de uma série de artigos sobre as eleições gerais no Reino Unido que serão produzidos pela Lócus, nos quais serão apresentadas as consequências do resultado sobre a esquerda e a direita britânica, representados pelo Partido Conservador e pelo Partido Trabalhista, respectivamente.

Neste primeiro artigo da série será abordada a relação das eleições com o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, conhecido como Brexit.

  1. As eleições gerais

As eleições gerais ocorridas no Reino Unido no último dia 8 de junho foram à surpresa recente que também teve o prêmio de pior decisão política da história contemporânea britânica concedido à Primeira Ministra Theresa May, do Partido Conservador.

(Primeira Ministra Theresa May)

A expectativa de Theresa May e da grande mídia era que o Partido Conservador facilmente ampliaria a maioria parlamentar. A estratégia era acumular força política para enfrentar as duras negociações da saída do Reino Unido da União Europeia. Mas o resultado foi justamente o contrário: o Partido Trabalhista ampliou seu número de representantes (para 262), enquanto o Partido Conservador perdeu 13 assentos, restando-lhes um total de 317, insuficiente para garantir maioria dos 650 assentos.

O tema majoritariamente debatido entre os dois principais candidatos – Theresa May e o líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn – foi o Brexit (neologismo criado pela junção das palavras Britain e exit)[[i]]. A saída do Reino Unido da União Europeia, decidida pela população através de referendo, é um processo complexo que deve durar pelo menos dois anos. As eleições de junho, portanto, decidiriam quem iria liderar as negociações do Brexit.

  1. A Crise da União Europeia

A União Europeia (UE) é o mais importante acordo entre países da história política moderna, no qual há livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas entre os signatários. Politicamente, organiza-se como um governo supranacional, com parlamento próprio, ministros, Banco Central e Suprema Corte.

Com poderes políticos que se sobrepõem aos dos países-membros, a UE emite medidas legislativas que influenciam a organização econômica e social dos países membros e que são impostas independentemente das legislações nacionais. Atualmente, a EU conta com 28 membros, mas existem diferentes níveis de engajamento. A “Zona do Euro”, por exemplo, consiste em 19 países que usam o Euro como moeda – da qual o Reino Unido não faz parte. Ou ainda a European Economic Area (traduzida como Espaço Econômico Europeu), que é composta dos 28 membros da UE e mais três países (Islândia, Noruega e Liechtenstein). Esses três países pagam uma quantia para ter acesso ao mercado econômico, mas não são submetidos às legislações impostas pela organização – tampouco possuem voz ou voto nas decisões políticas.

A crise teve início com a grande crise econômica de 2008, quando a Zona do Euro entrou em recessão econômica por cinco semestres seguidos. O efeito foi devastador. Países como Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Chipre tiveram que ser resgatados pelo Banco Central Europeu. E da crise econômica, iniciou-se uma crise política. Protestos de países membros – principalmente do leste europeu – contra legislações restritivas que impunham pesado fardo regulatório sobre as economias locais – restrições principalmente nas atividades do setor agrícola, do qual esses países dependem consideravelmente.

Foi nesse contexto, portanto, que o descontentamento com um poder supranacional cresceu no Reino Unido, surgindo movimentos contrários à União Europeia.

  1. A Eleição do Brexit

Se havia algum consenso sobre essa eleição, tanto entre a opinião pública como entre os líderes de partidos, é que essa seria a “eleição do Brexit”. O referendo de junho de 2016, quando 51,89% dos eleitores decidiram que o Reino Unido deveria deixa a União Europeia, dividiu não só o eleitorado, mas também os partidos tradicionais. Apesar da grande maioria dos conservadores e trabalhistas terem feito campanha pelo remain (permanecer), nomes importantes dos dois partidos optaram pelo leave (saída).

O debate sobre a participação do Reino Unido na União Europeia que antecedeu o referendo fez crescer a representação de partidos não tradicionais que focaram sua pauta nessa discussão. Partidos nacionalistas com discursos pró e contra União Europeia ganharam espaço no debate público. Foi o caso do Partido Nacionalista Escocês (SNP na sigla em inglês), com posição favorável a União Europeia, e o UK Independence Party (UKIP), contrário à União Europeia.

Como o próprio nome sugere, o UKIP é um partido nacionalista e conservador. Ideologicamente, é um movimento influenciado pelo liberalismo clássico e pelo Thatcherismo. Fundado em 1993, ganhou força a partir das eleições ao Parlamento Europeu de 2004 quando obteve 12 cadeiras. Desde então, cresceu sua influência no debate público e angariou número crescente de adeptos. Nas eleições ao Parlamento Europeu de 2014, o UKIP obteve 24 assentos, mais do que os Trabalhistas e Conservadores – um resultado histórico. Avesso ao multiculturalismo e à União Europeia, o UKIP foi o principal articulador e vencedor do referendo de 2016. O cálculo do Primeiro Ministro da época, David Cameron, conservador, era que um plebiscito poderia frear o crescente movimento dos “eurocéticos” tanto em seu partido como em outros. Do ponto de vista estratégico, foi um erro de Cameron convocar o referendo. Mesmo que o remain ganhasse – o que todas as projeções davam como certa – os ganhos políticos seriam muito menores do que os custos de uma derrota, como ficou comprovado depois.

David Cameron e Theresa May (Fonte: BBC)

David Cameron foi uma voz ativa do voto remain. E com a vitória do leave, Cameron fez aquilo algo que, para quem está acostumado com a política brasileira, pode parecer loucura ou mesmo impossível de acontecer: renunciou. Justificou que não se sentia moralmente confortável de liderar o país nas negociações de rompimento com a União Europeia, uma vez que acreditava que a permanência era a melhor opção. David Cameron, o mais jovem Primeiro Ministro do Reino Unido desde 1812, com muita popularidade e com grande chance de ser reeleito, enfrentando um Partido Trabalhista em decadência, sem lideranças e sem discurso, renunciou em nome de uma posição moral. E foi assim, através da renúncia de Cameron que Theresa May, também uma remainer, tornou-se Primeira Ministra.

  1. As Consequências

Fora as consequências internas, refletidas na disputa de poder entre conservadores e trabalhistas, com o resultado das eleições gerais, as negociações com a União Europeia ficaram mais difíceis. Negociando com um governo fragilizado, é muito provável que os burocratas da UE cobrem um preço muito mais alto do que se esperava, desincentivando a rebeldia crescente de nações menores do leste europeu. Os burocratas da UE farão qualquer coisa para evitar o colapso da União e agora lhes foi dado uma oportunidade de demonstrar força, crescendo suas garras sobre o Reino Unido.

 

Notas:

[i] O termo Brexit pode levar a confusões, por isso cabe aqui uma explicação. O Reino Unido é a junção da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte – todos súditos da Família Real e portanto submetidos ao governo da Majestade cujo órgão supremo é o Parlamento de Westminster. A Grã-Bretanha (Britain em inglês) inclui além desses a República da Irlanda – isto é, a “Irlanda do Sul” – que possui completa independência política e não se submete mais a Coroa Britânica. A República da Irlanda, que faz parte tanto da União Europeia como da Zona do Euro, não participou do referendo e portanto não faz parte do Brexit.

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