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A lei que rege o nosso atraso

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A Constituição dos Estados Unidos é um documento de duzentos e trinta anos. Erigida pelos ideais de liberdade e democracia preconizados pelos fundadores da nação, ela firmou os marcos da sociedade mais desenvolvida que já surgiu na história humana. Para tanto, não foi necessário criar uma miríade de dispositivos legais. O texto original contava com apenas sete artigos, que foram emendados vinte e seis vezes ao longo do tempo. É o melhor exemplo da filosofia de que menos é mais.

O Brasil, por outro lado, mudou de Constituição como quem muda de cuecas. Desde a Independência, tivemos nada menos que sete textos constitucionais. Tivemos a Constituição do Império, a Constituição da Velha República, a Constituição Constitucionalista, a Constituição do Estado Novo, a Constituição Pós-Estado Novo, a Constituição Militar e a Constituição da Nova República, promulgada em 1988 e ainda em vigor. As contínuas mudanças são o retrato de uma história de instabilidades sucedâneas que se estabeleceu desde que coronéis insatisfeitos e militares ávidos por poder enxotaram Dom Pedro II para a Europa.

Ao contrário dos EUA, onde a Constituição é uma costura sofisticada que une e estabelece as regras comuns para unidades federativas,  soberanas nos mais diversos assuntos, no Brasil, a Constituição atual, bem como várias de suas antecessoras, apresenta uma miscelânea de temas que vão desde a formatação de nosso sistema político até regras sobre direito trabalhista. Não é à toa que tantos processos esdrúxulos chegam no Supremo Tribunal Federal, Corte que deveria se restringir a examinar casos relacionados à nossa carta-magna. Dia desses, lá estavam os doutos Ministros a debater sobre quem seria o campeão brasileiro de futebol de 1987.

Chamada de “cidadã” por Ulisses Guimarães, a Constituição de 1988 é uma colcha de retalhos de caráter intervencionista e socializante. Roberto Campos, um dos mais importantes pensadores do liberalismo brasileiro, descreveu o texto produzido pela Assembleia Constituinte como “anacrônico, escrito pelo retrovisor, prolixo em direitos e ascético em deveres”, a “culminância de uma década de erros”.

Passados vinte e nove anos desde sua promulgação, o resultado está aí. A colcha de retalhos foi ampliada com nada menos que noventa e sete Emendas Constitucionais. Uma média de três Emendas por ano. A última, que estabelece novas regras para coligações partidárias e cláusula de barreira para as legendas, foi aprovada ainda nesta semana. Já tivemos até Emenda Constitucional sobre Vaquejada

Ao invés de resguardar a lei maior, possibilitando assim o surgimento da segurança jurídica genuína que só a estabilidade pode prover, preferimos reescrevê-la e adaptá-la casuisticamente, atendendo as necessidades prementes no momento. Não há futuro auspicioso para um texto que já nasceu ruim e continua a ser alterado para pior. A Constituição, que deveria estabelecer nossa ordem legal, virou apenas o regimento maior do nosso atraso.

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