Economia

Como a dívida pública brasileira em alta afeta a sua vida

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O alerta de Luiz Cezar Fernandes, criador do Pactual e do Garantia, sobre o tamanho da dívida pública brasileira gerou grande repercussão entre diversos analistas. No seu entendimento, esse indicador, hoje em 82,3% do PIB, poderá alcançar 100% do PIB em um curto intervalo. Caso esse cenário venha a se materializar, a probabilidade de um eventual calote nos moldes do ocorrido na Argentina, em 2001, aumentaria muito.

De fato, a situação fiscal representa a maior ameaça ao equilíbrio macroeconômico do país no futuro. Ao longo dos últimos anos, a diferença entre receitas e despesas vem piorando sistematicamente para o governo. O resultado primário passou de um superávit de R$ 191,3 bilhões em 2011 para um déficit de R$ 152 bilhões em 2017. Ao longo desse período, a saúde financeira do Brasil piorou em R$ 343,3 bilhões.

São três os fatores que influenciam na trajetória da dívida pública: (1) a capacidade do país em gerar ou não poupança; (2) o estoque a ser rolado e (3) a taxa de juros. Vamos analisar cada um dos três para o caso do Brasil.

1º) O Setor Público continuará gastando muito mais do que arrecada

A meta fiscal do governo federal em 2017 e 2018 é de déficit de R$ 159 bilhões. Para esse ano, ainda que a arrecadação seja maior por conta da aceleração esperada do PIB, o resultado fiscal deverá seguir muito deteriorado.

Caso as receitas cresçam menos do que o esperado, o governo pode ter de recorrer a contingenciamentos pelo lado do gasto para fechar as suas contas, incluindo novos cortes nas despesas discricionárias. Nessa rubrica, por exemplo, estão os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o “Minha Casa, Minha Vida”. Outras medidas também estão no radar, como novos aumentos de impostos, a reoneração da folha de pagamentos, a postergação dos reajustes de salário do funcionalismo público.

Para 2019 em diante, a situação continuará muito complicada caso o status quo seja mantido. O ajuste fiscal requer o controle efetivo das despesas obrigatórias, sobretudo com a Assistência Social. Aqui estão as aposentadorias, incluindo os trabalhadores da iniciativa privada e do funcionalismo público, além das pensões e dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC), ou seja, do pagamento de salários aos idosos pobres e às pessoas com deficiência. O crescimento dessa subconta ao longo dos últimos anos foi muito superior ao gasto total da União, ou seja, serviu como elemento de pressão sobre as finanças públicas, conforme o gráfico abaixo. Sem uma reforma que impeça essa expansão, não haverá ajuste fiscal concreto.

Despesas da União corrigidas pela inflação (IPCA)

(Variação % em relação ao ano anterior)

 

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. *Até novembro.

2º) Dívida pública é alta para um país de renda média

A dívida pública bruta em relação ao tamanho da nossa economia (PIB) está atualmente em 82,3%, de acordo com a metodologia que permite comparativos internacionais. Esse valor é bem mais elevado em relação à média dos países emergentes (48,3%), ou seja, a situação brasileira atual já é bastante desconfortável. É importante lembrar que as nações desenvolvidas apresentam níveis de endividamento maior, mas já se tornaram ricas – ao contrário do Brasil, classificado como um país renda média. Insistimos, portanto, em arrecadar como os países desenvolvidos e, ao mesmo tempo, gastar seguindo modelos arcaicos de nações pobres, onde o Estado é excessivamente grande. Não há como, por óbvio, sustentar essa dinâmica indefinidamente.

Dívida bruta do Setor Público para países emergentes selecionados – 2016

(Em % do PIB)

 

Fonte: FMI.

 3º) Os juros são muito altos

Os juros no Brasil são excessivamente altos para padrões internacionais. Entenda os motivos neste link.

A dívida pública vai alcançar 100% do PIB já no início de 2019?

O governo conta em 2018 com a devolução de uma parte expressiva dos empréstimos cedidos ao BNDES desde 2009. A expectativa é de que sejam repassados R$ 150 bilhões da carteira do banco para os cofres públicos. A medida visa o abatimento de parte da dívida, conforme determinação expressa do Tribunal de Contas da União.

Mesmo sem expediente, a dívida não alcançará 100% tão rapidamente. Vamos assumir as seguintes hipóteses para as variáveis macroeconômicas:

  • Taxa real de juros: 3,5%;
  • Déficit primário de 2% do PIB
  • Crescimento da economia: 3,0%;

Nesse caso, a dívida aumentaria de 82,3% do PIB para 86,5% do PIB. Ou seja, + 4,1 pontos percentuais. Essa visão está em linha com a projeção divulgada pelo FMI em seu último prognóstico semestral.

O que pode acontecer com a economia caso nada seja feito e como isso afeta a sua vida?

A perda da capacidade de controlar a dívida pública acarretará em uma das três opções. Pode ocorrer alguma combinação entre as mesmas. Isso visa, é claro, “solucionar” o problema.

1º) Emissão de moeda (inflação)

A deterioração da situação fiscal pode levar o governo a imprimir moeda. Essa alternativa, no entanto, levaria à aceleração da inflação. Isso por conta da desvalorização significativa do poder de compra da moeda. Foi exatamente o que aconteceu nos processos hiperinflacionários vividos pelo Brasil na década de 80 e meados da década de 90.

Como resultado, os mais pobres são os mais afetados. Esse estrato da população aloca a maioria (senão toda) a sua renda em consumo. Já os mais ricos podem se proteger da inflação aplicando seu capital em investimentos adequados. Os empresários simplesmente repassam os aumentos de custos para o consumidor final.

2º) Endividamento (juros mais altos e crescimento mais baixo)

Quanto maior o nível da dívida, maior é a descrença dos investidores em financiá-la. Nesse caso, diante da incerteza, é natural que os juros cobrados no empréstimo tendam a ser cada vez maiores para compensar a possibilidade de calote.

Juros mais altos significam menos operações de crédito para consumo e investimentos, ou seja, prejuízo do ponto de vista da capacidade de geração de renda e de empregos.

3º) Aumento de impostos

O Brasil possui a terceira maior carga tributária entre os países da América Latina (32,0% do PIB), somente atrás da Argentina e de Cuba. Apesar disso, há pouca contrapartida em termos de prestação de serviços públicos de qualidade.

De acordo com o Instituto de Planejamento Tributário (IBPT), o Brasil já está há seis anos consecutivos em último lugar no ranking do retorno dos impostos em prol do bem-estar da sociedade entre as 30 nações que têm as maiores cargas tributárias do planeta.

Novos aumentos de impostos diminuiriam a renda disponível pelo setor privado. Isso representaria mais um fardo para a expansão da atividade econômica.

Conclusão

Ainda que não na magnitude imaginada, o alerta de Luiz Cezar Fernandes sobre a situação fiscal do Brasil é muito válido. Em um espaço de tempo relativamente curto, existe a possibilidade de sofrermos uma ruptura do ponto de vista macroeconômico, gerando forte queda do bem-estar da sociedade e diversos problemas do ponto de vista social e de distribuição de renda.

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