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Eduardo Leite, absorventes e a memeficação da política

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Governador adota o discurso do ataque à “Pobreza Menstrual” e cria programa para alunos da rede estadual de ensino. Como isso começou?

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada 10 pessoas que menstruam no mundo deixam de ir à escola durante o período menstrual. No Brasil, uma em cada quatro faltam à escola quando menstruam.

Talvez você já tenha recebido esta informação através da mídia nos últimos meses, quando a questão que ganhou o nome de “pobreza menstrual” começou a ficar popular na arena política brasileira. No Rio Grande do Sul, essas poucas linhas foram capazes de orientar uma política pública com ordenamento de despesas milionárias e muito show de marketing político.

Você já parou para pensar sobre a origem destes números? A ONU fez uma pesquisa no mundo todo e outra no Brasil? A presença das alunas foi monitorada nas escolas? Onde? Por quem? Quantas?

Existe uma publicação da UNESCO de título “Puberty Education & Menstrual Hygiene Management”, ou “Educação na puberdade e gerenciamento da higiene menstrual”, de 2014, mencionando o número “1 em 10” para meninas na África subsaariana. Até então, o foco do estudo estava na análise geral da pobreza e falta de infraestrutura em determinadas populações. São várias as publicações que levantaram números neste sentido.

Pobreza Menstrual no Google Trends: a expressão nasceu em 2019 e não aparece em pesquisas no site antes deste período. Do “nada”, começa a explodir em 2021.

Em maio de 2021, o relatório Pobreza Menstrual no Brasil, desigualdades e violações de direitos, elaborado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), vasculhou os dados de diversas fontes – especialmente do IBGE – e adicionou interpretações ideológicas ao problema da falta de acesso a absorventes por uma parcela da população. Há – no mínimo – uma linguagem diferenciada para questões de gênero, com o indefectível “pessoas que menstruam” e similares, substituindo “meninas ou mulheres” em diversos parágrafos.

Já o “no Brasil, uma em cada quatro” tem uma origem curiosa e bem mais econômica no apuro científico. Trata-se de uma enquete realizada pela empresa de pesquisa de mercado Toluna, por encomenda da bilionária Procter & Gamble, através da sua divisão que fabrica absorventes (Always). Eles fizeram um questionário com 1.124 mulheres e pronto: uma em cada quatro. É o Brasil.

A pobreza menstrual investigada pela Always / Toluna. Marketing Social.

 

Esta única ação de marketing social de uma mega empresa ajudou a aglutinar movimentos que pretendem tirar uma casquinha do problema – que é sério – para colar suas próprias causas identitárias. A pobreza é conhecida em todo mundo, inclusive no Brasil. Todos os dias pessoas deixam de comer, se locomover ou ter higiene adequada por não ter dinheiro. O problema de meninas e mulheres sem acesso a absorventes está inserido em outro maior, com respectivos canais de assistência social que devem ser melhorados a cada dia. As questões que saem da economia e fazem parte da educação e cultura igualmente possuem canais nas três esferas de governo para o correto tratamento.

Veja também: A indústria da assistência social em Passo Fundo.

E o Leite?

Há uma evidente memeficação das causas políticas para chamar a atenção e nosso governador (pré-candidato nas horas vagas) não perde tempo. Lançou o programa Todo Jovem na Escola, que ofertará bolsas financeiras, celulares e absorventes. Essa curiosa mistura foi apresentada em evento especial no Palácio Piratini, cujos detalhes estão no site do Governo RS.

Um card promovendo o programa Todo Jovem na Escola, chamando custeio (material de higiene) de investimento e fazendo um chamado ao “direito humano e de saúde pública”. 

Absorventes e celulares no lançamento do programa no Palácio. Marcas estrategicamente cobertas? 

Antes dele, políticos de diversos partidos incluíram a “pobreza menstrual” em projetos de lei, recomendações e ações, com destaque para uma tentativa nacional (PL 4968/2019) que rapidamente gerou uma narrativa “Bolsonaro veta distribuição de absorventes aos pobres”, a qual durou semanas.

Senadora Zenaide (PROS-RN), provando que a memeficação de causas viralizou: Lá do Rio Grande do Norte, a preocupação com o tema. Em seu site: “Zenaide defendeu a aprovação do projeto como forma de combater a pobreza menstrual, problema que se agrava com o aumento do número de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza. No Brasil, uma em cada quatro meninas já faltaram aulas por não ter acesso a absorventes, de acordo com pesquisa Toluna/Always, divulgada em maio. De acordo com a ONU, a pobreza menstrual atinge uma em cada dez mulheres no mundo“.  A publicação é de agosto de 2021.

Em tempo: inserida na discussão do termo “Pobreza Menstrual” está a situação das mulheres encarceradas no sistema prisional brasileiro. Se o Estado não fornece o básico para a a população carcerária em produtos de higiene, é questão para fiscalização (se previsto) ou mudança legal urgente. Um problema vergonhoso, mas é outro problema. Em sinergia, só dá força ao oportunismo ideológico.

Sobre a dignidade da pessoa humana, das meninas e mulheres que sofrem com a falta de qualquer produto, da higiene ao medicamento, da alimentação até a assistência médica: cabe aos governos melhorar (muitas vezes apenas deixando de atrapalhar) os municípios, estados e o país, para que cada vez mais pessoas saiam da pobreza, no geral. Pinçar um problema entre outros para “lacrar” no marketing político é de uma pobreza incrível.

 

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