Covid-19

De médico para vereadora: quando nossos parlamentares metem o dedo em assuntos que desconhecem

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Acabei de ler um texto de autoria da vereadora passo-fundense Janaina Portella (MDB), certamente estimulada a se posicionar sobre um tema social de grande relevância, quando ainda não estava adequadamente ciente da complexidade do assunto que abordou.

Como médico que sou, poderia começar pelo próprio juramento de Hipócrates (Juramento de Hipócrates – Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (cremers.org.br)), ao citar os seguintes trechos: (a) “…respeitarei a autonomia e a dignidade do meu paciente” e (b) “não usarei os meus conhecimentos médicos para violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça. Faço estas promessas solenemente, livremente e sob palavra de honra”.

Poderia também começar explicando a ela que, no exercício da profissão médica, deve-se antes de tudo zelar pelos preceitos do código de ética médica, citando o art. 8º: “O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.” Além deste, o art. 31: “Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.”

Compactuando com a boa prática médica, fica o Código da Enfermagem. Cito o artigo 17: “Prestar adequadas informações à pessoa, família e coletividade a respeito dos direitos, riscos, benefícios e intercorrências acerca da assistência de enfermagem”. Também o art. 18: ” Respeitar, reconhecer e realizar ações que garantam o direito da pessoa ou de seu representante legal, de tomar decisões sobre sua saúde, tratamento, conforto e bem estar. E, por fim, o art. 27: “Executar ou participar da assistência à saúde sem o consentimento da pessoa ou de seu representante legal, exceto em iminente risco de morte”.

E entendendo que, na proposição da terapêutica em humanos, considerar-se-ão experimentais formas de tratamento que não tenham concluído e demonstrado dados satisfatórios de segurança e eficácia na fase 3. Atualmente, a Pfizer reconhece sua vacina como em fase 2 para crianças e jovens, tendo seu uso apenas autorizado e não aprovado pelo FDA, com expectativa de conclusão da fase 3 somente para os próximos anos.

Associando-se os dados da ética ao Código de Nuremberg, o qual norteia mundialmente a experimentação humana, fica claro que vacinação forçada, seja por obrigação legal seja por qualquer método coercitivo, fere os trechos da primeira diretiva, na qual se lê: “…as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior”.

Porém, sinto-me impelido a responder a parlamentar argumentando da mesma forma que ela escreveu, com analogias. A analogia correta sobre a obrigatoriedade da máscara, na verdade, fica mais adequada quando comparada a roupas, quando o seu uso é necessário e adequado em ambientes públicos, sem restringir o direito de ir e vir e não oferecendo risco ao cidadão.

Já no que tange às vacinas, obrigar seu uso baseado no interesse coletivo seria como exigir do paciente HIV a compulsoriedade de tratamento e a exposição de documento comprovando para que a transmissão fosse inibida em eventos como carnaval e festas noturnas. Seria desumano e autoritário, ferindo a dignidade e a gerência do paciente sobre sua saúde. Também, poderia comparar a vacinação ao interesse da comunidade na doação de sangue, que não oferece risco; portanto, deveria ser compulsória, pois seria do interesse da sociedade.

Quanto ao argumentação que a Anvisa liberou o uso desse imunogênico como algo que satisfaria as preocupações com a segurança, fica claro a fragilidade deste posicionamento, uma vez que a liberação não é de forma plena, apenas como uso emergencial, impedindo assim sua incorporação ao plano nacional de imunização, identificando-a como um agente com possibilidade de revogação na sua aplicação.

Além disso, conhecendo a imunologia humana e os dados disponíveis durante os últimos meses, especialmente relacionados à variante ômicron, que perfaz a grande maioria dos casos no Rio Grande do Sul, no momento em que as vacinas disponíveis não tem capacidade estatisticamente relevante de diminuição da transmissão do vírus (e atividade ainda questionável quanto à sua importância na diminuição da gravidade em adultos jovens, adolescentes e crianças previamente hígidas), dados estes que compactuam com a literatura médica atual em todo o mundo. Se não protege ou diminui a transmissão, resta apenas o direito do paciente, e não mais o interesse coletivo.

Leia também: A contradição de Janaína Portella

*Guilherme Krahl é médico, cirurgião cardiovascular de Passo Fundo (CRM-RS 24091)

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