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Lei que regulamenta ensino domiciliar avança no Rio Grande do Sul

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De autoria do deputado estadual Fábio Ostermann (NOVO), o projeto de lei estadual que regulamenta a educação domiciliar (homeschooling) passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do RS. 

O projeto de lei que regulamenta a prática do ensino domiciliar no Rio Grande do Sul deu outro passo na Assembleia Legislativa. Nesta terça-feira (11/02), o parecer contrário da deputada Juliana Brizola (PDT) foi derrubado pelos parlamentares que integram a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Por 9 votos a 3, os deputados defenderam a constitucionalidade da matéria e decidiram dar andamento ao Projeto de Lei (PL) 170/2019.

Para o autor da proposta, o deputado estadual Fábio Ostermann (Novo), o que está em jogo é a liberdade de aprender e ensinar no Estado. Ainda, destacou que a Constituição garante o direito das famílias de optar pela forma como pretendem educar seus filhos.  A prática é legalizada em 64 países. No Brasil, já existem propostas semelhantes aprovadas nas Assembleias Legislativas de São Paulo e Minas Gerais. Desde agosto do ano passado, o ensino domiciliar é permitido por lei na capital do Espírito Santo.

Entre os parlamentares que votaram favoráveis à regulamentação do ensino domiciliar, o deputado Sérgio Turra (PP) foi escolhido o novo relator da matéria. Ele terá prazo de duas semanas para apresentar um novo parecer, que será apreciado na CCJ. Se aprovado o novo parecer, o PL 170 seguirá para tramitação nas comissões de mérito.

 

 

A Educação não é apenas um caos institucional e funcional, mas legislativo

Não é de hoje, nem a partir da Constituição Federal de 1988, que a legislação aplicada ao ensino deu seus primeiros passos: pelo Alvará de D. Sebastião, de 1564, Portugal destinava parte dos impostos (redizima) para os empreendimentos missionários. Parte do dízimo pago ao Rei deveria ser direcionado ao ensino que, no Brasil, estava a cargo dos jesuítas. De lá para cá, não foram poucas as alterações.

No que diz respeito às diretrizes e bases da educação, determina o artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal, que compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Ainda, destinou dez artigos à educação (arts. 205 a 214), mas a Emenda Constitucional no 14, 13 de setembro de 1996, trouxe grandes mudanças no que diz respeito à organiza­ção do ensino e ao financiamento do ensino público, redefinindo o papel do governo federal. Conforme a redação do art. 205:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Conforme o art. 211, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela organização de seus sistemas de ensino em regime de colaboração. Para tal:

  • A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (§ 1º);
  • Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (§ 2º);
  • Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio (§ 3º)

As verbas aplicadas na manutenção e desenvolvimento do ensino também passam por orientações constitucionais. A Lei estabelece que a União deverá aplicar nunca menos de dezoito por cento da receita resultante de impostos; aos Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no mínimo vinte e cinco por cento.

No Brasil, o processo de reforma na área da educação na década de 1990 e no início do terceiro milênio deu-se pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996, e também pela implementação de legislações disciplinando matérias educacionais, política pública educacional, ações afirmativas educacionais, programas, planos setoriais e decretos do Executivo.

Estatuto da Criança e do Adolescente, que trata da proteção integral e garantia da criança e do adolescente, prevista no art. 227 da Constituição Federal, deu tratamento específico no art. 53 do referido Estatuto, com o intuito de garantir o acesso à educação como meio de exercício da cidadania.

Código de Defesa do Consumidor, para o qual a prestação de serviço educacional é abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor. (arts 2º e 3º), sendo o aluno o tomador de serviços de educação privada (consumidor) e a instituição de ensino a fornecedora da prestação de ensino (fornecedora).

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fun­damental e de Valorização do Magistério (Lei n° 9.424/1996) foi criado para expandir o ensino fundamental. A Lei nº 9.870/1999, sobre as Anuidades Esco­lares, disciplinou as relações entre os alunos e os estabeleci­mentos de ensino e poder público.

Em matéria de educação ambiental, seguindo um pouco da pauta mundial, a Lei nº 9.795/1999, sobre a educação ambiental e a Política Nacional de Educação Ambiental, para a qual “o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências volta­das para a conservação do meio ambiente, bem de uso co­mum do povo, essencial a sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (art. 1º).

Em janeiro de 2001 foi sancionada a Lei n° 10.172, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), em sintonia com a Declaração Mundial de Educação para Todos, elabora­da e aprovada na Conferência Mundial de Educação para To­dos, realizada na Tailândia, em 1990, para a elevação global do nível de escolaridade, melhoria do ensino e redução das desigualdades, além da democratização da gestão do ensino público. O Programa de Diversidade na Universidade (Lei nº 10.558/2002) e o Programa de Bolsa Família (Lei nº 10.836/2004) complementaram o processo.

Nesse mesmo sentido, o Prouni, Programa Universidade para Todos, regulou a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior, destinando bolsas para cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior com ou sem fins lucrativos. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), que contribui para redistribuição de recursos para todos os níveis da educação básica e trata a educação de uma forma mais ampla. Ainda, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), criado para substituir o Programa de Crédito Educativo, destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação (art. 1º).

Fugindo um pouco da questão democrática de acesso ao ensino, foram instituídos processos de avaliação do ensino: 1) Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) (Lei 10.861/2004), para avaliação da institui­ção, avaliação dos cursos e avaliação de desempenho dos estudantes; 2) o ENADE, embora parte do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), tem o objetivo de avaliar a qualidade do ensino, aferindo o rendimen­to dos alunos dos cursos de graduação em relação aos con­teúdos programáticos, suas habilidades e competências, sendo realizado a cada três anos para cada grupo de cursos; 3) A partir de 2005, o Sistema Nacional de Avaliação da Edu­cação Básica (Saeb), composto por duas avalia­ções: a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e Avali­ação Nacional de Rendimento Escolar (Anresc).

Isso sem contar o ENEM, exame anual, visando atender aos alunos em vias de concluir ou que já tenham concluído o ensino médio, também utilizado para avaliar a qualidade do ensino médio e seu resultado serve para acesso ao ensino superior em universidades públicas através do sistema de seleção (SISU). Pode ser feito por aqueles com interesse em ganhar bolsa integral ou parcial em universidades particulares através do Prouni ou para obtenção de financiamento do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior).

Em apoio ao acesso universal à educação, o De­creto nº 5.622/2005 instituiu a Educação à distância como modalidade educacional, na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos (art. 1º). Nesse mesmo sentido, a Universidade Aberta do Brasil (UAB), criada pelo Decreto nº 5.800/2006, que pretende, por meio da educação à distância, permitir o acesso à educação superior daquelas populações normalmente excluídas do processo educacional, oferecendo  cursos, cujo objetivo está na formação de professores e na Administração Pública, visando também atender aos professores da rede pública da educação básica, com o objetivo de melhorar suas qualificações e qualidade da educação nas diferentes regiões do Brasil.

Quanto ao ensino fundamental, a Lei nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006, alterou a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade.

Em 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), teve como objetivo principal fortalecer a rede pública de educação básica, um conjunto de quarenta ações com quatro eixos: alfabetização, educação infantil, educação básica e educação superior, tendo como prioridade uma educação básica de qualidade, criando metas de qualidade e também o IDEB (índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

Em 2008, a Lei de Estágio revogou o parágrafo único do art. 82 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que é uma das fontes mais importante do Direito Educacional.

Em 2011, foi criado o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), cuja finalidade foi ampliar a oferta de educação profissional e tecnológica por meio de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira (art. 1º), visando atender, prioritariamente, estudantes do ensino médio da rede pública, trabalhadores, beneficiários dos programas federais de transferência de renda e estudante que tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituição privada na condição de bolsista integral.

Em 2014, a Lei nº 13.005 instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), em vigor até 25 de junho de 2024, cujas diretrizes são: erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento escolar; superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação; melhoria da qualidade da educação; formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade;  promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País; estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto – PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade; valorização dos (as) profissionais da educação; promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.

Por fim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/2015, que destina-se a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência.

Trata-se, enfim, de apenas uma síntese do corpo de normas que compõe a legislação educacional. Para aqueles que pensam que o caos na educação é apenas funcional e institucional, eis uma prova do universo inabarcável de normas com as quais o país dá as coordenadas na formação educacional da população. Esta síntese, todavia, é apenas do corpo de normas federais!

Educação domiciliar ou homeschooling

De acordo com a justificativa do texto que autoriza a educação escolar no estado do Rio Grande do Sul, em recente decisão na qual foi provocado a se manifestar no Recurso Extraordinário 888.815, o STF delineou que a prática da educação domiciliar não estaria vedada, exigindo que para sua regular implementação o Poder Legislativo deveria garantir as ferramentas necessárias à fiscalização do ensino domiciliar ministrado. Tais garantias, pois, deveriam compreender o respeito a padrões mínimos de qualidade, de forma a assegurar o direito fundamental à educação e ao pleno desenvolvimento das crianças, adolescentes e jovens que porventura sejam submetidos a esse regime de ensino. O que está em jogo não é apenas qual o melhor sistema para ensinar a ler e escrever, mas sim o próprio significado do que é prosperar enquanto indivíduo, o que é o indivíduo ideal e, sobretudo, qual a importância da liberdade para ele.

Para Ostermann, é preciso repensar o poder de controle que a esfera política tem sobre as crianças e suas famílias, assim como a necessidade de modernização de um sistema educacional que está muito distante de ser satisfatório e eficiente. Para isso, a educação domiciliar surge como um pequeno fio de esperança para devolver aos pais o poder sobre os seus próprios filhos, oferecendo-lhes, também, o respeito a sua individualidade e a chance de desenvolver o seu pleno potencial.

Foi destacado,inclusive, que a adoção do modelo de educação domiciliar é a maior qualidade da atenção dedicada às crianças portadoras de necessidades especiais, que frequentemente não recebem o necessário amparo, seja na rede pública, seja na rede privada de educação, justamente em razão de suas circunstâncias específicas e particulares. São justamente benefícios como este que estão popularizando a educação domiciliar mundo afora.

Leia também: A educação gaúcha tem qualidade?

Abaixo, a redação do Projeto de Lei:

Projeto de Lei nº 170 /2019

Deputado(a) Fábio Ostermann

Dispõe sobre educação domiciliar e dá outras providências.

Art. 1º A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 2º É admitida a educação domiciliar, sob o encargo dos pais ou dos responsáveis pelos estudantes, observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios dos sistemas de ensino, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas por esta lei.

Art. 3º É plena a liberdade de opção dos pais ou responsáveis entre a educação escolar e a educação domiciliar. Parágrafo único. A opção pode ser realizada a qualquer tempo e deve ser comunicada expressamente à instituição escolar na qual o estudante se encontra matriculado.

Art. 4º É assegurada a igualdade de condições e direitos entre os estudantes na educação escolar e na educação domiciliar.

Parágrafo único. A igualdade referida no caput deste artigo se estende aos pais ou responsáveis optantes pela educação domiciliar, que gozarão de todos os benefícios previstos em lei que tenham por requisito a regularidade escolar.

Art. 5º Os optantes pela educação domiciliar devem declarar a sua escolha à Secretaria de Educação do município por meio de formulário específico disponibilizado pelo órgão responsável.

Parágrafo único. O recebimento do formulário pela autoridade competente implica a autorização para a educação domiciliar nos termos do art. 209, inc. II, da Constituição Federal, bem como será considerado como matrícula para todos os efeitos legais.

Art. 6º As famílias que optarem pela educação domiciliar devem manter registro das atividades pedagógicas desenvolvidas com os seus estudantes, bem como apresenta-lo sempre que requerido pelo Poder Público.

Parágrafo único. A matrícula em instituição de ensino à distância ou em instituição de apoio à educação domiciliar supre o requisito do caput.

Art. 7º As crianças e adolescentes educadas no regime domiciliar serão avaliadas pelo município por meio das provas institucionais aplicadas pelo sistema público de educação nos termos do art. 38 da Lei Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional ou outro que venha a substituir.

Art. 8º A fiscalização das atividades realizadas no âmbito da educação domiciliar caberá:

I – ao Conselho Tutelar da localidade, no que diz respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes;

II – alternativamente à Secretaria Estadual de Educação e às Secretarias Municipais de Educação, no âmbito de suas respectivas competências, no que diz respeito ao cumprimento do currículo mínimo estabelecido.

Art. 9º Esta Lei poderá ser regulamentada pelo Poder Executivo.

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