Passo Fundo

O uso da vacinação como marketing político beira o absurdo. É preciso prudência

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As prefeituras estão usando números para contar vantagem, disputando com casas depois da vírgula quem é o melhor na aplicação de vacinas, enquanto o Governo RS já pensa até em premiar por desempenho

Não demorou muito para que a vacinação contra a COVID-19 virasse uma espécie de gincana entre prefeitos. Isso para saber quem vacinou primeiro ou em maior quantidade o público-alvo, dos trabalhadores essenciais até população em geral por idade.

Várias prefeituras – incluindo a nossa – estão postando nas redes sociais artes para demonstrar o sucesso e a liderança no ranking da imunização, como se todas estivessem jogando o mesmo jogo. É temeroso. O governo do Estado, por sua vez, faz tudo para piorar criando até mesmo uma premiação em dinheiro (dos outros, aquilo que chamamos de impostos) para os melhores com a agulha.

A prática

Usar números da saúde como marketing político já é uma opção por si só arriscada em “tempos de paz”, como mostramos no texto “Mortalidade infantil aumenta 10,11% em Passo Fundo, o dobro do índice nacional”, sobre a ginástica com números realizada pelo prefeito Luciano Azevedo em 2018. Em tempos de pandemia, beira o absurdo.

As cidades possuem realidades diferentes na população, pirâmide demográfica (como é distribuída a idade entre os habitantes), estrutura de saúde e serviços essenciais vacinando antes e especialmente densidade populacional: ter o habitante vacinável pertinho da estrutura de saúde é uma coisa. Ter outro em uma zona rural com mais de 100 km de estrada de terra, é outra bem diferente. Quando ranqueamos vacinadores, nada disso é levado em conta.

As cidades que “mais vacinam”, um dado errado e oficializado pelo Governo RS e pelo município.

 

Vejam o caso da arte acima, postada no Facebook oficial da Prefeitura de Passo Fundo. A comunicação do município afirma que “entre as 12 cidades gaúchas mais populosas, Passo Fundo é a que mais vacina“. O percentual vai de 41,1% de vacinados com pelo menos uma dose por aqui até 29,2% da cidade de Viamão. Como fonte dos dados, o Painel de Monitoramento da Imunização Covid-19 do Governo do RS em 23/06/2021, 16h50 (os dados mudam toda hora, conforme a digitação no sistema).

Prefeitura de Alvorada postando no Facebook no dia 18 de junho que é líder em vacinação na Região Metropolitana de Porto Alegre.

O Painel do Governo RS mantém um “tabelão” atualizado em tempo real sobre a vacinação nos municípios gaúchos, doses enviadas, primeiras doses, segundas e a porcentagem da população que recebeu a vacina. É daí que sai o ranking.

Como já dissemos antes, apenas medir a porcentagem de vacinados com “pelo menos uma primeira dose” para acusar sucesso do município é altamente duvidoso, mas fica pior: a população de referência para tirar esta medida vem da estimativa do IBGE de 2018! Quando corrigimos os dados pela estimativa mais recente, 2020, os números (e obviamente o ranking) ficam bem diferentes. Nestes dois anos, as cidades cresceram de forma bem desigual, de 0,24% para Novo Hamburgo até 2,65% para Caxias do Sul.

Parte da tabela publicada no site https://vacina.saude.rs.gov.br/ – note a coluna “População Geral” com a estimativa populacional de 2018.

Resumindo: as cidades recebem remessas de vacinas e aplicaram primeiramente nos idosos, grupos de risco e profissionais de saúde, além de outros beneficiados. As cidades não possuem o mesmo número de idosos e profissionais de forma proporcional. Só neste ponto, qualquer tentativa de medir “qualidade de gestão da vacinação” por número de vacinados é absurda.

Os dados usados pelo governo são defasados e os municípios já não possuem a mesma característica populacional, caracterizando um potencial problema até para a definição do número de vacinas a serem enviadas.

Ranking do percentual da população vacinada com uma dose tendo por base as populações estimadas do IBGE em 2018 (usada pelo governo) e 2020 (mais próximo da realidade). Dados do dia 25/06, 23h30.

O Governo RS anunciou uma premiação de R$ 1,25 milhão para os “melhores” da vacinação, com verba carimbada para a área da saúde e pagamentos em julho e agosto. O melhor seria fazer exatamente o contrário, destinando o dinheiro público para reforçar ou intervir no esquema de vacinação dos municípios com problemas assumidos, como falta de capacidade para vacinar, problemas físicos, falta de pessoal ou verba.

O plano do Governo RS.

Contar vantagem com vacinação é um erro, fere a ética e, lá na frente, poderá virar argumento para ganhos eleitorais: “Vote em mim, fui o prefeito que melhor vacinou a população durante a pandemia”. Alguém precisa barrar essa prática, que beneficia sem bases sólidas prefeitos e também quem oferece a premiação.

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