Passo Fundo

É preciso parar de culpar o cidadão pelos erros da prefeitura de Passo Fundo

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Trânsito e drenagem urbana são péssimos exemplos de criação de narrativas que aliviam a responsabilidade dos nossos gestores municipais

Em Passo Fundo – como em qualquer outra cidade brasileira – há pessoas que jogam lixo no chão e motoristas que nunca deveriam assumir a direção de um veículo. Fazer deste pequeno recorte a regra e culpar a população inteira por estes dois males urbanos é um exagero que precisa parar.

Já foi reverberado na imprensa local que o passo-fundense é um motorista ruim, especialmente depois de uma divulgação de estatística do DETRAN, na qual a cidade de Passo Fundo aparece como campeã de multas no interior do RS. Essa narrativa foi destruída no artigo ESPECIAL: a indústria da multa mente para os passo-fundenses, em março de 2019, em que usamos dados fornecidos pelo próprio órgão para mostrar que os motoristas multados aqui são, na maioria, de outras cidades.

Já alagou, vai alagar mais

A situação de muitas ruas no centro e nos bairros de Passo Fundo é constrangedora em dias de chuva intensa. Nosso sistema de drenagem urbana (onde ele existe) é precário e não suporta o volume de água, criando verdadeiras piscinas em nossas vias. Logo vem a afirmação (abertamente ou nas entrelinhas) que o sistema não tem problema, o que causa alagamento é o lixo jogado no chão pelo cidadão.

Qualquer coisa além do lixo é tirada da equação. Folhas e flores que caem das árvores? Terra? Restos de obras da própria prefeitura? Nada disso importa, é culpa do lixo. Sendo assim, não há o que melhorar, apenas esperar mais educação dos moradores de Passo Fundo, talvez com mais campanhas de marketing e gastos com agência. Jogue o seu lixo no lixo!

Basta uma caminhada pelo centro para encontrarmos bueiros lacrados e lotados não apenas de lixo eventual, mas pelo próprio asfalto das ruas, terra e restos de vegetação. Em alguns casos, viçosas plantas que nasceram ali mesmo fazem do sistema de drenagem um pequeno “jardim subterrâneo”, prova evidente de que as equipes da prefeitura não visitam o local com frequência.

A incrível história do “bueiro inteligente”

Na grande obra de reforma da Avenida Brasil, o projeto original detalhava o uso de “bueiros inteligentes”, um sistema com um cesto capaz de segurar os detritos para posterior limpeza, resguardando a vida útil das canalizações. Logo depois da obra ser concluída no trecho do bairro Petrópolis, veio a chuva e um grande alagamento na região da recém inaugurada Havan. A Lócus foi até o local e não encontrou o tal bueiro inteligente, só uma obra de qualidade discutível. Tudo isso foi igualmente documentado em Chuva revela incompetência da Prefeitura na obra da Avenida Brasil, em dezembro de 2018.

A falta do equipamento prometido incomodou também a Associação dos Moradores do Centro (AMAC), que fez questionamentos ao Ministério Público sobre a promessa de bueiro inteligente presente na planilha da obra na Avenida Brasil – e que não foi entregue. O documento foi destinado aos promotores Paulo Cirne e Cristiano Ledur, em 2 de março de 2020.

A Secretaria de Obras respondeu aos questionamentos através do então secretário João Bordin e do Coordenador Ramon de Mello de Oliveira. Sobre as bolas de lobo, declaram:

“Referente a denúncia das bocas de lobo, houveram diversas reprogramações do projeto, onde foi reaproveitado BLs existentes ou grelhas existentes. As bocas de lobo com cestas para resíduos sólidos não foram implementadas nesta obra em função da peridiocidade de manutenção necessária para manter o dispositivo limpo. Para realizar a limpeza do sistema, a prefeitura deve montar equipe permanente e exclusivamente para as bocas de lobo, o que causaria aumento dos gastos públicos. Historicamente, as bocas de lobo da Avenida Brasil não apresentam entupimento causados por excesso de resíduos sólidos, e a manutenção realizada pela Secretaria de Obras mantém o funcionamento do sistema já existente.” (sic)

A resposta segue argumentando que o bueiro inteligente “parece bom”, mas não é.

A nota não esclarece a readequação financeira dos cerca de R$ 280 mil apontados no projeto da obra para a instalação dos bueiros inteligentes.

Não se deixe enganar

O Centro alaga por deficiências no sistema de drenagem, que deveria estar preparado para o volume de água da área que atende, os detritos, aqueles que jogam lixo no chão e o que mais vier pela frente. A concepção e manutenção do sistema também é falha; apesar de argumentar com “redução dos gastos públicos” na estratégia enviada ao MP, a Prefeitura mantém uma rede de drenagem lacrada com asfalto, tornando uma simples limpeza uma pequena obra que demanda equipes e mais tempo. Sobre a manutenção, há registro de pedidos para reparo de pontos na cidade com mais de um ano sem resposta.

E aí? vai continuar pensando que o culpado é você?

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